“Filho, eu sei que Deus está em todo lugar, mas aqui ele está demais”. Ainda guardo bem viva a lembrança do dia em que escutei estas palavras, vindas do alto dos 72 anos de meu pai, durante uma viagem de turismo de natureza em família à Chapada Diamantina.
Naquele dia, o sol estava alto e por isso conseguia nos atingir bem lá no meio cânion, ao lado daquelas paredes de pedras sobrepostas em grossas camadas, que tanto caracterizam algumas cachoeiras da região.
Momentos antes, havia sido uma verdadeira aventura para ele, atravessar a pequena pinguela suspensa e sem corrimãos e depois vencer os últimos 80 metros se esgueirando pelos paredões até chegarmos na Cachoeira do Buracão.
Recompensa merecida
Vencido o desafio, a grata surpresa de se deparar com os mais de 90 metros de uma queda em um grande poço. Difícil conter uma emoção, que até hoje percorre a espinha quando me lembro.
Mas nossa viagem não havia começado ali. Aquela era a coroação de uma semana caminhando pelos vales e montanhas da Chapada Diamantina.
Turismo de natureza em família
Eu herdara de meu pai o apreço das paisagens naturais e o gosto pelas caminhadas. Engenheiro sanitário, meu pai era daquelas pessoas que se distraia contemplando uma paisagem. Me lembro de minha mãe preocupada “- Olha a estrada!” , enquanto ele dirigia e chamava a atenção dos filhos para uma formação de nuvens no céu, um horizonte colorido ao entardecer ou uma casinha ao longe na montanha.
Naquele ano, no início dos anos 2000, decidimos realizar o sonho de fazer um trekking em família. Três gerações se encantaram com uma paisagem linda e desfrutaram de rios, cachoeiras e de um rico contato com moradores locais durante uma semana no isolado Vale do Pati.
Caminhando pelo Vale do Pati
Alice tinha pouco mais de 2 anos e durante o dia seguia aninhada em minha mochila, feita especialmente para carregar crianças. Entre um cochilo e outro, vibrava com as paisagens, cantava ao meu ouvido e não dispensava um banho de rio. Bastava nos aproximar de qualquer córrego que lá estava ela chacoalhando as perninhas.
No final do dia, éramos sempre bem acolhidos. Dona Maria, esposa do Sr. Wilson, estava sempre preocupada com a limpeza de tudo. Sua cozinha chegava a brilhar com todas aquelas panelas bem areadas. Não pude deixar de notar, todo seu cuidado para com os hóspedes, preparando deliciosas refeições caseiras em seu fogão a lenha.
Percorrer aquelas trilhas em companhia de meu pai e minha filha, teve um gosto especial. Foi uma viagem deliciosa e uma experiência de vida inesquecível.
Poucos anos depois, meu pai partiu para uma outra viagem… aquela que para muitos é sem volta mas que nas palavras dele, seria uma viagem de volta à “casa” de onde partiu.
Junto com a saudade, vem uma grande alegria por ter estas lembranças bem vivas ainda hoje na memória, quase 20 anos depois. Fico muito feliz de ter vivenciado tudo isso e hoje, percebo a importância destas pequenas escolhas que fazemos em nossas vidas e que acabam por moldar nossos valores e construir nossa identidade.
Hoje, dia 04 de junho de 2020, meu pai faria 90 anos. Cada dia sou mais grato de ter tido o privilégio de sua companhia por 37 anos de minha vida. Toda admiração e respeito pela trajetória na terra deste homem que me deixou valores tão preciosos . Este ano Alice completa 22 anos. A julgar pelo seu currículo de viajante, me parece que a paixão pelo turismo de natureza e contato com culturas diferentes, passou de uma geração à outra da família. Espero que daqui a alguns anos eu tenha a oportunidade de reviver esta experiência no papel de avô!