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Nepal, a experiência de quem viveu o terremoto

Um ano atrás, estava caminhando nas montanhas do Nepal como já fizera tantas outras vezes. No entanto o destino tinha outros planos e o que era para ser mais um belo dia de trekking pela cordilheira do Himalaia, se transformou em uma data triste e fatídica para muitas pessoas que foram atingidas pelo forte terremoto de 7,9 graus na escala Richter, que se abateu sobre o país no dia 25 de abril de 2015.

Quando acontece uma tragédia, seja ela na esfera pessoal ou uma de proporções assombrosas, é sempre muito difícil perceber a metade cheia do copo. Para quem estava no Brasil e viu tudo isso a distância, através das lentes dramáticas de uma mídia em busca de notícias impactantes, depreender qualquer aprendizado dos fatos ocorridos pode uma missão impossível, mas não foi isso que vivi durante as semanas que se seguiram ao momento em que a terra tremeu.

Estava no Nepal liderando um grupo de sete brasileiros em uma viagem rumo ao pico de Gokyo (5.300m) e posteriormente ao Campo Base do Everest (5.360m). Ao nosso grupo somavam-se outros sete nepaleses, liderados por Nabin Karki, que nos ajudavam com o transporte de nossas bagagens e organização de refeições e pernoites.

11h45 do dia 25 de abril: Terremoto

Destruição nas casas Nepalesas após o terremoto
Nas montanhas o impacto do terremoto foi menor do que nas cidades mas também deixou suas marcas.

Amanheceu nevando em Khunjung (3.790m) e assim ficou o clima por todo o dia. Era nosso quinto dia de trekking e todos estavam bem dispostos depois de termos feito uma boa e necessária aclimatação em Nanche Bazaar (3.400m). Saímos às 07h45 e caminhamos apreciando a paisagem incomum para quem vive nos trópicos. Nossa meta do dia era o vilarejo de Dhole (4.110m) a aproximadamente 6hs de distância. A neve fina batia na capa de chuva e escorria até o chão e graças ao fato de estarmos bem equipados, pudemos desfrutar da caminhada e da paisagem inusitada. 

Paramos para almoçar por volta de 11h30 em Phortse Thanga (3680m), um pequeno entreposto com poucas construções. Entramos no lodge que já abrigava umas 20 pessoas, penduramos nossas capas de chuva e fizemos nosso pedido. Conversávamos tranquilamente quando iniciou o tremor seguido de um barulho crescente como um trovão. Olhamos para os nepaleses e imediatamente todos saíram correndo para fora do restaurante ainda sem entender muito o que estava acontecendo. O tremor reduziu para recomeçar forte… Instantes de pânico.

Percebi então que se tratava de um terremoto e procurei por pedras que poderiam vir rolando, já que estávamos no fundo do vale, mas felizmente nada mais aconteceu. O lodge ficou apenas com uma trinca na parede de pedras, mas nada que nos impossibilitasse  de retornar para almoço antes de prosseguirmos nosso caminho.

Seguimos caminhando a tarde por mais duas horas debaixo de neve, passando por florestas e cachoeiras que sob a neve eram de uma rara beleza até chegarmos na vila de Dhole e, só então, começamos a nos dar conta do tamanho da tragédia… A primeira imagem ao adentrar na vila, foram casas e lodges parcialmente destruídos. Ao caminhar por pelas ruas, uma réplica fez com que todos saíssem correndo para fora do que restara de suas casas. Um senhor mantinha seu filho de uns 3 anos no colo o tempo todo para poder correr a qualquer momento. Aperto no coração… tristeza.

Encontramos um dos poucos lodges que estavam funcionando, pois por ser feito de madeira não sofreu  grandes danos, exceto pela parte frontal do refeitório que por ser de pedras havia cedido parcialmente. Nos acomodamos em quartos de madeira que ficavam isolados e que nada haviam sofrido com o terremoto.  Decidi que permaneceríamos em Dole por mais um dia para garantir nossa segurança e termos tempo para receber mais informações que nos possibilitassem decidir o que fazer Dalí para frente.  Minha única certeza era de que agiríamos como quem pretende subir uma grande montanha:  Um passo de cada vez para e sem se deixar levar pela ansiedade por chegar e nem pela incerteza do prosseguir. 

Reuni  o grupo para uma conversa. Chamei a atenção de todos para o fato de que apesar da tragédia e as implicações que viriam pela frente, estávamos em segurança, abrigados do frio e sem privações de comida ou bebida. Além disso,  a sorte havia mais uma vez nos brindado, já que todos os familiares da equipe nepalesa estavam a salvo (embora tivessem tido perdas materiais). Efetivamente não havia absolutamente nada de errado conosco naquele momento e pontuei que as decisões seriam tomadas apenas no curto prazo, até que tivéssemos maior clareza da situação.  

Serenidade para dar um passo de cada vez

Aos poucos as notícias chegavam pelo rádio ou por andarilhos subindo ou descendo a montanha. Descobrimos que a vila de Machermo, que seria nosso próximo destino, havia sido muito atingida. Ficaríamos mais um dia em Dhole colhendo informações para saber como proceder, garantindo assim que nós só nos deslocáríamos quando soubéssemos que a próxima vila pudesse oferecer condições de nos acolher. Apesar da tensão, estávamos em segurança e haviam muitas variáveis desconhecidas dali pela frente, impedindo que fizéssemos planos para mais do que 24 horas.

Assim foram os dias que se seguiram: Nabin, o líder nepalês, seguia sozinho até a vila mais próxima e retornava com informações e locais adequados para pernoitarmos. Acertamos em permanecer nas montanhas ao em vez bater em retirada para a tumultuada cidade de Lukla, ponto de partida e final dos trekkings por abrigar o aeroporto que serve  Katmandu e que sofria com desabastecimento e excesso de turistas tentando embarcar.

Tristeza e esperança em Bhaktapur

No retorno à capital, dez dias após o primeiro terremoto, decidimos visitar Bhaktapur, cidade milenar vizinha a Katmndu e tombada pelo Patrimônio Histórico Mundial. Reencontrei minha tão querida Bhaktapur aos pedaços. Nó na garganta, aperto no peito… Impossível conter as lágrimas. Nas montanhas, longe de tudo, havíamos sido poupados dessa realidade.

Apesar da brutal destruição, presenciei ali cenas tristes, comoventes, solidárias e motivantes. Vi pessoas recolhendo tijolos nos escombros onde antes erguiam-se suas casas. Vi tendas de missões de ajuda internacional chinesas, inglesas, indianas e muitas outras trabalhando sem descanso para prover água filtrada, comida, atendimento médico, abrigo e comunicação aos sobreviventes. Vi adultos entretendo crianças, famílias reunidas em tendas e mutirões limpando e separando material dos templos atingidos já pensando na reconstrução. Vi uma mãe com sua filha jogando peteca. Vi pessoas necessitando de muita ajuda e pessoas ajudando muito. Vi um menino recolhendo pedras com um carrinho de mão. E outras crianças brincando e rindo muito – vivendo alheias ao passado e ao futuro, mas atentas ao presente que renasce ininterruptamente.

Aprendizados 

De toda esta experiência intensa, sobressai a oportunidade de aprendermos. Primeiro sobre humildade, sobretudo para aqueles que acreditam poder controlar suas vidas, não podem. Segundo sobre gratidão, uma lição que deve ser levada para todo canto todos os dias, pois estamos vivos. Por fim e não menos importante, sobre amor e solidariedade na forma de dedicação ao próximo. Os nepaleses que convivemos, mesmo em meio a uma situação de crise como aquela, não pensavam em outra coisa que não fosse prover o nosso bem estar. 

De volta ao Brasil, organizamos uma campanha para arrecadação de doações. Objetivo? Ajudar na reconstrução das casas dos carregadores que estavam nos acompanhando. Missão cumprida! Já foram enviados recursos suficientes para o restauro das casas e com sobra. O excedente foi enviado para auxiliar na reconstrução da escola da vila de Basa, terra natal da maioria dos carregadores. 

No topo de Gokyo Ri, o maior presente é a vista que se tem da maior montanha do planeta.
Vista do Monte Everest a partir do pico de Gokyo Ri. Em primeiro plano, as bandeiras de orações com seus mantras escritos e espalhados pelo vento para a propagação das preces.

Outra maneira de contribuir muito e ainda conhecer e aprender mais sobre a cultura e as paisagens Nepalesas, é programando um pacote de viagem ao Nepal. Uma excelente forma de gerar recursos dignamente para um povo tão solicito, gentil e necessitado.

 

* Jota Marincek é sócio e guia de trekking há mais de 24 anos na Venturas Viagens

Jota Marincek

Viajante por natureza. Toda vida dedicada ao turismo de natureza e vivências em culturas exóticas. Formado em turismo (ECA - USP), fundou em 1992 a empresa especializada Venturas Viagens. Até hoje, aos 49 anos, acompanha grupos em viagens como, Tailândia, Vietnã, Camboja, Butão, Patagônia ou expedições ao Monte Roraima, trekking no Nepal entre outras. Em 2016 concebeu e criou o programa de vídeo-dicas "Conta Tudo e não esconde nada" , que disponibiliza conteúdo gratuito sobre turismo de natureza no canal Venturas Viagens no youtube.

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